Sentada com as pernas cruzadas em seu tapete no centro da sala Serena apenas via o reflexo da lua cheia entrando pela janela e se desenrolando pelo chão tal qual uma névoa prateada.
-Perfeito... - Disse ela, enquanto colocava a tigela de barro contendo água de chuva recém coletada sob os reflexos da divina Luz que acabara de surgir.
Após se sentar o mais confortavelmente possível ela finalmente encontra a Lua ali, refletida em meio ao seu próprio elemento, a água, e incidindo sobre o seu rosto como se quisesse penetrar por cada poro de seu corpo...
Calmamente, finalmente Serena se concentra, e à medida que observava os raios Divinos da Lua Cheia sendo refletidos na água, a própria Lua observava o rosto de sua filha e a ela enviava, através de seu reflexo, o despertar de sua intuição e a penetrava com seus raios luminosos e brilhantes... A aura de uma verdadeira Bruxa...
A Lua na água... A água na Lua... A lua no rosto... O rosto na Lua... O triângulo prateado de magia e luz se formava instantaneamente, ligando os três níveis de existência: O divino, o natural e o humano em um ciclo de luz feminino e divino que fluía e ressonava, saindo do cosmos encimado pela lua, fluindo e sendo repuxado pelas marés da água na taça de cristal e por fim se derramando como energia pura, cristalina, aquosa e lunar por entre as vias de energia de Serena, reverberando em seu útero e se espalhando por todo seu corpo como um manto prateado costurado por pequenas aranhas tecelãs divinas intrincando fios de raios lunares.
O ápice de energia fluida se aproximou com a chegada da Lua no meio do céu, intensificando o elo que se formara entre os mundos e num golpe de intuição Serena pegou a taça com ambas as mãos, sentindo a frieza do vidro e da água contida, e ficando de joelhos sob os raios lunares ela sorveu o líquido ali contido. A água tocou a sua língua de maneira gelada e extremamente leve, quase como se fosse névoa, circulando por entre a língua, que calmamente recebia o banho refrescante e permitia que o fluxo descesse pelo esôfago, num jorro frio e leve, que foi se expandindo por todo o corpo de Serena. Mãos, pés, peitos, rosto, cabelos, braços e pernas se viram invadidos por essa frieza e leveza que se expandia do centro de seu corpo fluindo até os locais mais recônditos de seu físico.
Derrepente todo o corpo havia sido inundado por aquela sensação de refrescância e leveza, como se estivesse suspenso no ar, pairando por entre névoas prateadas, ou mesmo flutuando calmamente sobre o oceano, entre a noite e as estrelas, prateada no manto lunar, se dissolvendo nas profundezas do oceano, ou mesmo subindo aos céus como fumaça de incenso... Incenso de dama da noite era o cheiro. E derrepente Serena se viu num campo cheio de flores brancas, uma nuvem de odores indescritíveis pairava ao seu redor. Dama da noite, Jasmim, Lírio e Lavanda flutuavam, dançando por entre os galhos das árvores e fluíam através de seu olfato levando mensagens de equilíbrio e frescor, envolvendo o seu corpo num rodamoinho de sensações olfativas quase insuportável de tão intenso...
O manto prateado da Senhora da Lua Cheia se instalara ao seu redor e sobre a sua pele, se emaranhando em seus cabelos como uma coroa de flores e descendo por sobre o seu corpo nú como um vestido longo e prateado.
Com os últimos goles da água imbuída de energia lunar Serena colocou a taça de volta no altar e finalmente abriu os olhos, observando as formas cintilantes dos móveis da sala, alteradas por sua percepção expandida que mostrava não apenas as linhas duras e geométricas da madeira escura e do vidro, mas também cada emoção ali costurada por seus donos, como uma colcha de retalhos feita por emoções e ações daqueles que ali conviveram e desprenderam aquela energia levando a formação de uma pequenina alma para cada parte daquela sala. É interessante observar como o ambiente ao nosso redor se molda ao uso que lhe damos, e como a energia desprendida pelas pessoas se impregna nos ambientes, como registros velados de todos os eventos que ali ocorreram, bastando apenas alguém mergulhar num transe a ponto de acessar essas informações para ler ali a história de vida daquele local e mergulhar em suas lembranças e fatos...
Um uivo se faz ouvir ao longe, seguido de muitos latidos caninos que puxam Serena de seu transe e a fazem cair de volta em seu corpo, ajoelhado no meio da sala, agora já perdendo um pouco a percepção daquele manto prateado e observando o fim da queima do incenso de dama da noite utilizado durante o ritual de Lua cheia, mas mantendo em sua alma as portas abertas para a intuição ali desperta e para as percepções ali sentidas.
- Nossa como já é tarde. Diz Serena ao olhar para o relógio de parede e constatar no céu que a lua já desceu quase no horizonte, perfazendo em média umas 4 horas de trabalhos mágicos.
Serena se levanta e ergue os braços, em saudação a lua cheia que desce pelo céu, ja ficando amarelada pela proximidade com o horizonte.
- Senhora das estrelas! Grande Roda de Prata que gira pelos céus! Eu lhe agradeço pela alegria deste momento sagrado, e te peço Grande Mãe, que sempre esteja ao meu lado, que nunca me abandone nos tempos difíceis, e que sempre esteja presente nos momentos de alegria, pois todos os atos de amor e prazer são rituais em vossa homenagem, e teu é o êxtase da vida e a porta que leva ao renascimento no círculo mágico. Abençoe a mim e a todos aqueles que caminham ao meu lado, hoje amanha e sempre, que assim seja e assim se faça. - Concluindo a saudação e baixando os braços paralelos ao corpo, Serena olha agradecida para a lua e agacha tocando ambas as mãos na terra, enviando o excesso de energia para que possa ser absorvida. Então se levanta e caminha até o seu quarto para uma ótima noite de sono repleta de sonhos misteriosos.
Postado por
Aeryus O Druida
0 comentários:
Postar um comentário